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Foto do escritorHallana Oliveira

A violência nossa de cada dia

Revista Alphorria || setembro de 2018



Revista impressa


Por Hallana Oliveira


A violência alicerçada a antigos problemas sociais e com o poder de enunciação através da internet é uma arma que mata todos os dias. A popularização dos sites de redes sociais e a gama de possibilidades de interação que a Internet e plataformas online possibilitaram modificou a maneira com as pessoas se comunicam entre si.


Atualmente basta um emoji em uma postagem para sabermos se a mensagem agrada ou não, além é claro dos famosos gifs que tomaram conta das publicações, poupando de certa forma tempo de escrita, porque estão presentes nos teclados dos smartphones e tablets e, resumem o que uma determinada pessoa quis dizer. São inúmeras as possibilidades de conversação e, como toda conversa pode gerar atritos, réplicas e tréplicas de mensagens a fim do perfil expor sua opinião e ou, defender seu ponto de vista na Internet.


Mas, e quando esta interação não é amigável e não possui outra finalidade que não seja a de expôr, humilhar, insultar aquele que está do outro lado da tela? Perceber as modificações e as possibilidades de uma rede social são pesquisas já conhecidas no campo do ciberespaço, mas e analisar como as pessoas se mobilizam para violentar umas às outras? É possível? Pesquisadores como Raquel Recuero, analisam a coocorrência de uma hashtag, capacidade de conexão de perfis mais influentes, e intensas movimentações no campo eleitoral através de conexões online provando que é possível sim, analisar e correlatar ataques com discursos preconceituosos e violentos.


Vamos pelo começo. Imagine você: uma pessoa com afinidade para o ativismo que envolve-se com política, movimentos sociais e militância. Esta decisão acaba fazendo com que você perca amigos e desfaça relações familiares, atrelado a isso, a exposição pública do corpo e da voz, em defesa da inclusão de assuntos relativos ao combate ao preconceito de gênero, orientação sexual e de raça, começa a colocar em risco sua integridade física. “A partir desse momento recebi críticas, ameaças de perfis falsos, alguns até usados por pessoas que conheciam minha rotina, promessas de agressões físicas e sexuais, até mesmo usarem minha imagem em um site de prostituição. Minha intimidade exposta pelo simples fato de ter defendido o que acredito. Me senti invadida, extremamente caluniada e impotente”, relata uma pessoa que foi violentada através de redes sociais e não pode ser identificada. Ela completa: “Acredito que a intolerância e o ódio a mulheres, a negros e negras e a LGBT+ continuam mais vivos do que nunca em nossa sociedade e com o advento da Internet e de discursos públicos de ódio, tais pessoas encorajam-se a atacar essas “minorias”, seja pelo fato dos discursos ou de poder manter o anonimato que as redes proporcionam”.


Com base na declaração acima e com a avalanche de problemas que um perfil falso e algumas calúnias fizeram na vida desta pessoa, buscamos entender como que a Internet possibilitou, através do terreno do anonimato, dar voz a tudo e todos, sem nenhuma exceção. Pesquisadora na área de informação e comunicação, Raquel Recuero, reforça que a violência nas redes não é uma característica que só tenha surgido agora. “A circunstância em que essa violência simbólica é explicitada é que é atual. E isso gera um clima de conflito e intolerância, polarização e posicionamentos extremados e em necessária oposição. Com isso, temos gerações que estão mais expostas a essa realidade, mais inseridas nela”, analisa. A violência simbólica, a que se refere a pesquisadora, foi criada pelo sociólogo Pierre Bourdieu e se utiliza do discurso daquele que violenta, para a manutenção de relações de poder já previamentes estabelecidas pela sociedade.


Ao analisarmos as redes sociais e a evolução destas, como também a quantidade de membros que atualmente dedicam horas por dias em frente às telas, podemos afirmar que hoje em dia as pessoas vivem o que é publicado e postado, tudo que não está nas plataformas, proporcionando interações (curtidas, comentários e reposts), não existe. A pessoa citada ao se expor de maneira pública (online e offiline), despertou um certo incômodo em quem não concordava com seus posicionamentos, contrapondo aquela lógica de que exista duas realidades distintas na vida das pessoas (online e offiline). O agressor não podendo expor seus argumentos em uma discussão, preferiu usar de perfis falsos para então fazer o que era da sua vontade. Neste cenário, Recuero pondera: “Do meu ponto de vista, o discurso de ódio precisa ser combatido com educação. Precisamos trabalhar a alfabetização digital, a responsabilidade e os problemas de se estar online. Acho fundamental esclarecer as pessoas, desconstruir os discursos e ampliar os debates”.


A falta de diálogo sobre antigos problemas sociais, como as discussões de gênero, é o que tem motivado tantas intolerâncias no ambiente online, porque, segundo a estudiosa, a violência no campo dos direitos humanos, e especialmente a violência contra as minorias “aparece de modo não tão evidente, mas dentro do conceito de violência simbólica, através de discursos que reforçam o conhecimento sobre determinados grupos sociais, determinadas relações de poder. Essa violência é mais sutil, menos perceptível e mais arrasadora.”

Além da reeducação e o reconhecimento de problemas sociais, para que exista um enfrentamento que leve a resolução destes, é preciso que os usuários nas redes tenham consciência antes de que estamos lidando com pessoas, com suas ideologias, bandeiras e lutas. Respeito e responsabilidade é o que pede as minorias políticas e todos aqueles que já foram atacados na Internet.



A violência dos Millenials


Esta geração é caracterizada pela presença de sites de redes sociais na Internet e a violência da maneira que está exposta neste ambiente é um dos estudos da pesquisadora, Letícia Schinestsck


Por Hallana Oliveira


Pesquisadora na área de mídia digital, Letícia Ribeiro Schinestsck é umas das referências no estudo do comportamento de atores sociais no ciberespaço, conhecida por analisar discursos construídos no ambiente online, especialmente a violência simbólica em sites de redes sociais. Gaúcha do interior do Rio Grande do Sul, foi aluna da pesquisadora Raquel da Cunha Recuero na tradicional Universidade Católica de Pelotas (UCPEL), onde concluiu a graduação e o mestrado em Linguística Aplicada, e onde está cursando o doutorado. Schinestsck começou sua ligação com a pesquisa no quarto semestre da graduação com a oferta de uma bolsa de iniciação científica para estudar o preconceito e a violência no Orkut. Desde então, nunca mais parou. “A bolsa que eu ganhei já era para estudar este tipo de fenômeno. Só que aí eu me apaixonei”, completa.


Além de sua intensa contribuição para a pesquisa, já foi professora na Universidade da Região da Campanha (Urcamp), trabalhou como Social Media para empresas como AG2 Publicis Modem e W8S Simply Creative e é membro do Grupo de Pesquisa em Mídia, Discurso e Análise de Redes Sociais (MIDIARS). Mas não para por aí. Recentemente, catalogou suas pesquisas no livro: "Se a carapuça serviu…: A cultura das indiretas e a violência simbólica no Facebook” (2018). A fim de entender como a violência nas redes ocorre e quais ferramentas são possíveis utilizar no espaço online a pesquisadora divide um pouco do conhecimento adquirido nestes anos.


ALPHORRIA - Existe ainda aquela diferença do que ocorre na Internet e na vida real, ou hoje em dias essas duas realidades estão interligadas?


LETÍCIA - Não creio que exista mais esta diferença entre vida real e virtual, afinal falamos da mesma realidade de um mesmo indivíduo.


ALPHORRIA - Nestes anos estudando a Internet, tu cree que aumentou os preconceitos e as intolerâncias?


LETÍCIA - O que acontece é que as pessoas encontram nessa comunicação mediada muita maneiras de se esconder e falar coisas que não falariam offline. É como se fosse um escudo, onde o sujeito se vale do anonimato para reproduzir coisas que sabe que não seriam aceitas ou bem vistas caso falasse em uma comunicação face a face. Por exemplo: na Internet, uma pessoa que é racista pode encontrar reforço da sua crença em muitos usuários espalhados pelo mundo, mas que também possuem a mesma opinião. Isso fortalece o sujeito que tem esse preconceito. Incentiva-o a falar, a se posicionar. Esse mesmo sujeito certamente não iria manifestar suas opiniões racistas se estivesse em uma sala trancado somente com pessoas negras, por exemplo. Ele sabe que não daria certo. Poderia ele mesmo sofrer agressão, pois estava em minoria e afrontando e diminuindo os negros, que na situação seriam a maioria. Por isso é mais vantagem pra eles falar nas redes sociais. Porque as consequências não são diretas e nem físicas, sem contar com a possibilidade de as características da rede ajudarem a amplificar este discurso e torná-lo permanente e passível de ser buscado, diferente do que acontece na comunicação face a face.


Também tem a possibilidade de que o sujeito pense que a sua opinião é a que predomina na rede, já que busca conteúdos que são de acordo com suas ideologias e valores, mas que não podem ser considerados uma representação do todo, que também conta com os mais diferentes tipos de posicionamento. Achar que todos concordam também estimula o usuário a interagir, da mesma forma quando se vê a violência sendo legitimada pelos próprios contatos da sua rede.


ALPHORRIA - A Internet deu voz a todos, tu enxerga isso como algo nocivo?


LETÍCIA - Ao descentralizar o poder da grande mídia, a Internet assumiu um papel importante para a sociedade. Hoje as pessoas podem consumir as informações que quiserem, além de servirem como propagadores de informações também. Qualquer um pode fazer isso e aí a gente escuta aquela clássica: "o Face é meu e eu posto o que eu quiser". O problema é que as pessoas não pensam no que postar. Acho que sempre teve ódio e rancor escondido no coração das pessoas, infelizmente. Mas acho que o suporte criado pela Internet tem ajudado muito na disseminação, tanto do bem quanto do mal. Dar voz a todos fez com que viessem a tona os mais diversos valores, pois cada pessoa é um universo e cada universo é particular e único.


ALPHORRIA - Letícia, tu cree que esta nova forma de violência que a Internet possibilita é uma peculiaridade dos millenials?


LETÍCIA - Ao mesmo tempo que existem os haters, pessoas que se organizam e vão, no mesmo momento, agredir determinado usuário, em massa, também existem o que se chama de 'megazord'. Megazord era o nome da arma mais poderosa dos Power Rangers, que só era possível de aparecer quando todos os power rangers estavam juntos. Nas redes sociais, megazord são pessoas que se juntam para colocar outras pessoas para cima. Geralmente são eles que 'amenizam' a acidez propagada pelos haters, pois se mostram com um novo papel, uma nova percepção sobre o próximo. Se os haters falam que uma mulher é gorda, por exemplo, os megazords entram em ação pra dizer o quanto ela é linda e não deve se preocupar com isso. Isso existe e muito na rede. Creio que a resposta está na forma como as pessoas se apropriam e se comportam na Internet. Tem muita coisa ruim, mas olha.. tem muita coisa boa também. Não acho que a Internet seja a culpada de todo esse ódio, mas acho que ela faz com que as pessoas se sintam mais à vontade para expor o que se passa na sua cabeça.


ALPHORRIA - E a violência simbólica como ocorre?


LETÍCIA - A violência simbólica se instaura quando um indivíduo exerce poder sobre outro. Este poder não é visível, e muitas vezes está escondido por trás de crenças e preconceitos coletivos. São informações, percepções e valores que são mantidos,com ou sem intencionalidade. É um poder que só existe porque aquele que lhe está sujeito crê que ele existe. Então é uma violência que aparece entranhada na linguagem e é vista como natural, interiorizada e repassada sem questionamentos, como se fosse uma verdade absoluta. Na Internet todo esse poder é mais invisível ainda, já que está mediado e submetido a outro sistema de regras. Assim, as pessoas usam personagens, figuras, memes, gifs para expressar sua opinião e muitas vezes agredir o outro com ela.


ALPHORRIA - Como é possível não propagar a violência e as intolerâncias na Internet?


LETÍCIA - Basta ter bom senso. Basta lembrar que existem outros indivíduos no mundo que discordam dele e isso é um direito. Na verdade, as pessoas parecem não conseguir passar por um post que vá de encontro aos seus ideais, que já se sente incitado a falar, a se posicionar. Isso gera muita violência, pois vira uma guerra de egos interminável. Gostaria que fizesse isso com vc? Então não faz com os outros. Respeite a opinião do próximo e não tente impor a sua. É um bom início.

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